quarta-feira, 15 de junho de 2011

Cristo e a dolorosa arte de podar


A linguagem de Jesus nos evangelhos é repleta de metáforas, construídas sob uma riqueza de imagens. Suas parábolas são verdadeiros convites à imaginação. Banquetes verbais que alimentam espiritualidades famintas. São mais do que simples histórias com fundo moral ou doutrinário: convidam-nos a adentrar um mundo cheio de símbolos, imagens, possibilidades, verdades, idéias e certezas do reino.

Uma particularidade bela é que Jesus nem sempre conclui suas histórias. Com isso, ele nos convida a sermos co-autores dessas histórias. Somos convidados a encontrar ressonâncias delas em nossa cotidianidade. Somos convidados a encontrar final diferente. Histórias não são como exercícios de matemática: não são exatas! Não são imutáveis, encarceradas à tirania de uma lógica (desde que aprendemos que um mais um soma dois, isso jamais mudou). As histórias são libertas dessas algemas: elas crescem conosco, amadurecem quase no mesmo ritmo que nós.

A imagem da videira constitui uma das mais profundas e inspiradoras metáforas utilizadas por Jesus no trato com seus discípulos. Nessa construção espiritual, nossa vida é apresentada como sendo os galhos ligados à videira. Ele é a videira, nós, os galhos. Uma metáfora de implicações profundas. Um convite à intimidade que produz frutos. Muita gente, na atualidade, gosta do título de “íntimo”, porém, sem produzir nenhum fruto.


Um processo longo e doloroso

Poucos conseguem compreender a grande e desafiadora verdade de que para crescer e produzir frutos o galho carece do trabalho de um agricultor experiente que, com muita precisão, amor e ternura, trabalha na realização da poda. Talvez, uma das mais belas lições desse texto seja: Deus enxerga possibilidades no galho! Jesus afirma que Deus, o Pai (questão central da espiritualidade, Deus como Pai), no início das primaveras, toma os ramos em suas mãos e começa a realizar essa delicada e incrível tarefa. O jardineiro celeste abençoa cada galho com suas mãos bondosas. Lutero dizia: “Nosso Senhor escreveu a promessa da ressurreição não somente nos livros, mas em cada folha da primavera”.

Seu trabalho é meticuloso: limpa, corta, tira o excesso propiciando às folhas e frutos a bênção de nascer saudáveis. Essa metáfora nos leva às mais profunda dimensões da espiritualidade, no lugar secreto onde habita a necessidade de manutenção da vida espiritual. Esse lugar íntimo é perigoso, é o lugar onde ilusões podem matar, onde parasitas da espiritualidade habitam, daí a necessidade de uma poda.

Crescimento espiritual não é fruto de uma somatória de eventos, experiências, informações e realizações que vamos acumulando ao longo da vida. É o resultado de um longo processo de jardinagem, onde o jardineiro experiente trabalha com o único anseio de ver o fruto brotar belo e saudável. Nosso grande problema é acreditar que a espiritualidade é determinada por aquilo que fazemos para Deus, contudo, essa metáfora deixa bem claro que, antes de fazermos alguma coisa, de darmos algum fruto, somos submetidos à poda de Deus. Portanto, o que Deus faz em nós precede o que fazemos por Ele.

Do ponto de vista de um leigo em jardinagem, a poda parece uma mutilação, uma violência, uma agressão. O processo é doloroso. A planta fica feia, sangra. Porém, esse é o caminho. Para que a planta possa produzir, eliminar os parasitas, ela precisa atravessar esse processo.

O que precisamos podar? Muitas coisas precisam ser podadas em nós. Carecemos muito da intervenção do jardineiro celeste. Os parasitas da atualidade são muito mais letais muito mais nocivos. Vivemos num século da desumanidade, da deterioração da beleza. Nossos galhos agonizam numa poeira pós-moderna asfixiante.

Uma das coisas que precisamos podar é a ambição desmedida. A busca alucinada por sucesso, fama, garantias profissionais e financeiras, segurança, estabilidade. Estamos como prisioneiros de um velho pecado que surge hoje com cara nova: a ambição. Antigamente era considerado um grande mal, hoje, é aclamada, valorizada, buscada e desejada. Foi “santificada”, transformou-se virtude. O grande problema desse parasita, é que ele, sutilmente, inverte os pólos, levando-nos a deixar de ser criaturas para sermos criadores.

Para que possamos viver plenamente, precisamos estar inseridos nos termos da criação. Isso implica viver debaixo de uma ordem definida na criação, ou seja: Deus ama e nós somos amados; Deus cria e nós somos criados; Deus revela-se e nós recebemos a revelação; Deus ordena e nós obedecemos. Isso nos leva a crescer como criaturas, aceitando o Criador, entendendo que não somos nós que damos sentido ao mundo, é Deus. Ser cristão é aceitar os termos da criação. Isso nos livra da tentação de viver num mundo sem criador. Isso nos livra de carregar um peso que não é nosso. Se o jardineiro divino podar nossas ambições, seremos livres para amar, para ser conduzidos e para ser abençoados.

Outra coisa que necessitamos ser podados é a ingratidão. Ela nos torna pessoas insatisfeitas. Nunca temos o suficiente, sempre há alguma coisa em falta (ou alguém). Perdemos a capacidade de ver Deus agindo nas pequenas coisas, a alegria de perceber sua graça nos detalhes. Como efeito colateral disso, perdemos a capacidade de confiar. Somos aprisionados na dependência de nós mesmos, numa masmorra da auto-suficiência.

Nessa busca por autoconfiança, encontramos apenas ansiedade e desespero. Fechamos as portas da alma para a presença alegre e libertadora do Espírito Santo. Somos engendrados numa teia agonizante de reclamações, onde perdemos a capacidade de perceber o cheiro das flores e o sabor dos frutos. Galhos marcados pela esterilidade.

Quando Deus poda a ingratidão, abrimos a alma para a generosidade. Valorizamos o dar ao invés do receber. Aprendemos a ir ao encontro do outro, redescobrir o bendito movimento para-o-outro, ao invés de esperarmos que o outro nos encontre. Aprendemos a oferecer a mão, o ombro, o carinho, a compaixão, ao invés de lamentar o abandono e a solidão. Ao invés de buscar bênçãos, tornamo-nos bênção para os outros. Exalamos o perfume das flores que a poda divina fez nascer em nós novamente.

Também precisamos podar a apatia ou acomodação. A apatia (do grego: a + patós: sem sentimento) é a fonte da anemia espiritual. Ela nos torna descuidados, displicentes, acomodados. Aliás, não há nada mais feio do que um jardim abandonado. As roseiras que não foram podadas no tempo certo, que cresceram desordenadas, não têm mais forças para fazer as rosas brotarem, mistura-se com o mato, tornam-se semelhantes a ele. O que o jardineiro celeste faz é limpar o mato, tirar o excesso, abrir os caminhos para a circulação da vida. Podar é possibilitar novamente o fluxo da vida, o viço da beleza, o crescimento saudável.

Quando descuidamos da vida devocional, da oração, quando o descaso para com a igreja cresce, o abandono da comunhão acontece, o mato vai crescendo e sufocando a vida. Outros hábitos vão sendo formados, passamos a gostar de outros lugares, a ter prazer noutras coisas. O mato começa a fazer parte da paisagem, toma conta do jardim. O que é mais triste é que só daremos conta do mal quando o fruto vier apodrecido, isto se vier algum fruto.

Podar a apatia ou acomodação é renovar alianças e votos. É permitir que a seiva da graça de Deus volte a correr por todos os canais, trazendo de volta a vida e a paixão por Deus, pela família, pela igreja. É voltar os olhos para o futuro e, como o jardineiro – que logo após a poda, deixa a videira mutilada e feia – saber que, após alguns dias de chuva e sol, ela renascerá cheia de vida, bela, radiante e admirada pelas cores e pelo perfume.

Uma certeza temos: precisamos da poda! É doloroso, mas necessário. Existem muitos ramos que já não frutificam. O mato tem sufocado a espiritualidade, eliminado o perfume, apagado as cores. Jesus deixou claro que o destino de tais galhos é o fogo da destruição, uma vez que já não servem. A lição que fica aqui é muito importante: Deus anseia por nos libertar de nossa própria debilidade, ele anseia mostrar ao mundo sua beleza em nós, seu perfume em nós, sua glória. É a arte do jardineiro na pobreza do galho.

Temos uma verdadeira alegria, pois ainda que as crises façam o mato crescer, temos um jardineiro atento e pronto a nos podar para que nossos frutos sejam dignos e belos.

“Você já notou a diferença existente na vida cristã entre obra e fruto? Uma máquina pode realizar sua obra; só a vida produz fruto”. Andrew Murray

Alan Brizotti

Fonte: Pastor Matias
http://www.pastormatias.com/


copiei de: Filadélfia

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